segunda-feira, 27 de julho de 2009

Pra começo de conversa....

Este artigo constitui uma somatória de desafios. O primeiro deles, diz respeito ao fato de assumirmos como cenário de exposição um blog de registros das ações educativas de um museu. A análise de cenários expositivos, objetos museais ou ambientes patrimoniais é um dos eixos investigativos do projeto "Educação para o Patrimônio: um diálogo com os museus de Minas Gerais", desenvolvidos pelo Laboratório de Esrtudos em Museus e Escola (LEME) da Faculdade de Educação da UFMG, com o apoio da FAPEMIG. Dentre os museus estudados pelo projeto, o Museu Mineiro tem sistematizado a divulgação das ações educativas desenvolvidas por suas equipes através de blogs. Assim, no lugar de elegermos uma exposição presente em um dos espaços físicos de um dos museus estudados, definimos como cenário a ser investigado um dos blogs contruído pelos Museu Mineiro. Para nós, o blog constitui um cenário de exposição do museu.

O segundo desafio reside na proposta de experimetar uma nova forma de comunicação do artigo, buscando explorar o espaço e os recursos virtuais de um blog para disponibilizar o conhecimento produzido. Esta proposta encontra-se afinada ao fato do projeto ter definido como estratégia para tornar visível os resultados da pesquisa a produção de um e-book.
Cabe ressaltar que, contrariando às práticas de leitura comumente presentes nos blogs, aqui nossas postagens foram organizadas de maneira a facilitar o acesso ao conteúdo. Nos blogs as postagens são arquivadas por ordem cronológica de publicação, fazendo com que os primeiros escritos apareçam por último. O que implicaria dizer que se assim o fizéssemos, teríamos estas considerações iniciais aparecendo no final desta página. Nosso artigo começaria portanto pelo desfecho. As postagens foram portanto pensadas todas em conjunto, antes de inciar a escrita, com a correspondente distribuição de títulos. Esse ajuste compromete a estrutura básica de um blog? Provavelmente sim. Mas vale lembrar que nossa intenção é testar uma forma alternativa de comunicação de idéias. O que nos abre a possibilidade de criação de algo que não se enquadra nem nos artigos que conhecemos, tampouco nos blogs pelos quais nos aventuramos.

Outra diferença para um artigo tal qual os conhecemos, será o fato de darmos a escrita aqui por encerrada, mas deixarmos o canal dos cometários aberto para os leitores. Na prática, se o desejarmos e se este material deflagrar participações interessantes, poderíamos voltar no texto original e produzir versões atualizadas a partir das contribuições recebidas. Por hora, trabalharemos com apenas uma versão.
Antes de finalizar esta primeira postagem, é importante dizer algumas palavras sobre a relação dos museus com os nichos virtuais, organizados ou não em rede. Muitos museus mantém sites institucionais contendo informações gerais sobre acervo, visitas e preçário. Trata-se de uma espécie de folheto eletrônico, funcionando como uma "ferramenta de comunicação e marketing" (Henriques, 2004). Há ainda aqueles que, chamados de cibermuseus, constituem reproduções online de seu acervo ou parte do acervo que possuem. O visitante desloca-se virtualmente pelos corredores do museu, como quem acessa a um catálago. Já o conceito de museu virtual (Deloche, 2001), pressupõe um espaço virtual de mediação real entre sujeitos e museu, privilegiando a comunicação como estratégia de envolvimento e de divulgação de conteúdos. O museu virtual, para além das definições previstas para museu eletrônico, museu digital, museu online, museu hipermídia, meta-museu, museu cibernético, cibermuseu e museu no ciberespaço, é aquele capaz de contemplar no nicho virtual as ações museológicas ou parte delas trabalhadas em seu espaço físico. A concepção de virtual contida nessa definição, garante a constante atualização do cenário expositivo, ao partir do pressuposto que virtual não é o oposto de real (Levy, 1998), mas uma materialização de potência e não do ato.
Para nosso estudo selecionamos o blog sobre a atividade Cozinha Museu, desenvolvido pelo Museu Mineiro. A Superintendência de Museus do Estado de Minas Gerais possui um link no site oficial da Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, que leva às páginas dos museus do estado. Além desse espaço virtual, o Museu Mineiro possui um blog com informações gerais sobre o museu e suas atividades e blogs especialmente preparados para as ações educativas desenvolvidas, entre eles o blog Cozinha Museu. Nosso objetivo é analisar o blog Cozinha Museu enquanto cenário de exposição, buscando conhecer os elementos eleitos pela curadoria virtual exercida pelo Museu Mineiro para composição de cena.

O Blog Cozinha Museu

Chamamos de postagem cada texto ou conteúdo do blog, agrupados sob um mesmo título. O blog Cozinha Museu apresenta seis postagens na página principal e uma postagem identificada como postagem antiga. Das sete postagens, cinco referem-se às atividades desenvolvidas no cômpto da proposta Cozinha Museu, e duas são postagens introdutórias do tema, com um texto do autor Autran Dourado e outra sem autoria explícita, mas de responsabilidade do museu. Embora estas postagens sejam as primeiras do blog, as demais, como é próprio de um blog, encontram-se em ordem cronológica invertida. Assim, a atividade que aconteceu por último é a primeira a ser apresentada no blog. As atividades aparecem numeradas, o que me permitiu inferir a respeito da sequência de acontecimentos. Ao rolar a página o blog, as ações educativas a aparecem na seguinte ordem: Cozinha Museu- V Edição: Farófias ou Farofas; Cozinha Museu IV Edição: Festas Juninas; Cozinha Museu III Edição: Coisas com o Fubá; Cozinha Museu IIEdição: Pão de Queijo e Cozinha Museu I Edição: Pão de Queijo. Cada postagem combina imagens e textos.

As postagens são ilustradas com imagens do momento em que os participantes das ações educativas estiveram reunidos nas dependências do museu para a preparação das receitas. Há imagens dos cozinheiros, identificados pelo uso de aventais, dos que estiveram presentes apenas como degustadores/convidados, dos ingredientes, do processo de produção, dos pratos prontos e convidados visitantes em trajes típicos. Sobre estes visitantes, parece-nos, embora não seja esclarecido de maneira explícita no blog, que o Museu Mineiro desenvolvia concomitantemente diferentes ações educativas. Assim, os participantes da confecção das receitas usando o fubá, cozinhavam para os visiantes de outra ação educativa, Museu Guardas (imagem a seguir).

As postagens apresentam textos contendo a história dos pratos confeccionados seguidas das receitas (ingredientes e modo de prepará-las). As postagens sobre as festas juninas e o fubá apresentam mais de uma receita, sendo incluída também antes de cada receita sua respectiva história. Os textos pertenem a múltiplos autores, todos identificados.

Dividido em duas colunas, como acontece no blog que agora lêem, o blog Cozinha Museu apresenta à direita de quem o visualiza informações de interesse geral para um suposto visitante.Há a logomarca do Museu Mineiro, links para os outros blogs desenvolvidos pelo museu com outras ações educativas, links que dão acesso às ações educativas específicas, endereço e mapa virtual com localização do Museu Mineiro, as linhas de ônibos que dão acesso ao endereço, link para o site oficial da Secretaria de Cultura e um contador de visitantes.

O blog enquanto cenário: uma exposição a partir das postagens

"Que a culinária é uma arte ninguém duvida! Muito menos que é parte de nosso acervo cultural.(...) A nossa velha hospitalidade mineira à mesa não é um bem imaterial a ser preservado?"
Postagem de abertura, Blog Cozinha Museu

As postagens e os elementos que as compõem, imagens e texto, correspondem aos objetos em exposição no cenário virtual no qual o blog se constitui. O texto e as imagens colaboram no desenvolvimento da metáfora e da narrativa construída, confirmando a exposição como uma narrativa cultural. Do ponto de vista técncio, a exposição é uma composição cujos elementos organizam-se em espaço harmonicamente concebido, o blog em nosso estudo, criando contexto para que uma determinada mensagem seja lida, com finalidade cultural. Assim, as postagens, enquanto constructos imateriais eleitos pelo museu, configuram-se como narradores autorizados a apartir dos quais se constrói o discurso próprio do Museu Mineiro. Qual ou quais mensagens encontram-se materializadas no discuso que o Museu Mineiro apresneta no diálogo com o visitante do blog?

O Museu Mineiro, roteirista da exposição, apresenta a culinária como uma forma de arte e a identifica como parte do acervo cultural (fragmento extraído do blog analisado e que abre esta postagem). Há, por parte da instituição, um compromisso com um acervo de bens imateriais, como a referida "hospitalidade mineira" citada no fragmento introdutório. Estes bens imateriais, a culinária típica das Minas Gerais e a famosa hospitalidade dos mineiros, integram e dão forma ao roteiro de exposição escolhido pelo Museu Mineiro para o blog. O conjunto de imagens e texto parece pretender incitar à reflexão acerca de ritos próprios das Minas Gerais.

Assim, embora a ação educativa que o blog busca registar tenha como proposta trabalhar o universo da culinária mineira, tachos de barro e colheres de pau não protagonizam a cena expositiva. De maneira isolada, estes objetos museias são incapazes de gerar narrativas, cabendo esta tarefa a todo o conjunto da exposição, que se agrupa em torno do tema, fio condutor a partir do qual a narrativa é então construída. Estes objetos aparecem compondo a cena, sendo utilizados pelos personagens na trama proposta pela ação educativa que o blog registra. Qual a trama dessa história em que estes personagens aparecem?


As imagens selecionadas para o cenário expositivo mostram os personagens convocados para a ação educativa confeccionando as receitas. O que faz-nos antever que as imagens mostrariam os convidados junto a panelas e ingredientes em cozinhas improvisadas na área do museu. De fato, as imagens selecionadas para comporem a trama pretendida mostram os sujeitos envolvidos com o preparo das receitas. Contudo as imagens nos contam algo mais, que diz respeito a outra característica dos mineiros bastante conhecida, o gosto pela prosa. Nas duas fotografias a seguir, extraídas do blog Cozinha Museu, vemos que a cozinha não se reduz ao espaço do cozinhar, mas era plenária para animada interlocução.



O blog, enquanto nincho virtual, confere ao cenário expositivo certas especifidades próprias do ciberespaço. A questão da imprecisão temporal é reforçada pelo fato dos autores das postagens ão assumirem datas para os acontecimentos. Temos evidências de que os encontros aconteceram, mas não sabemos exatamente quando, e tampouco essa informação parece importar. Dessa maneira o blog poderia ser entendido como um cenário expositivo suspenso no tempo-espaço, uma espécie de ilha perdida em que o visitante do blog desembarca e pode experenciar a rotina de uma típica cozinha mineira. A virtualização levaria ao desprendimento do aqui e agora. Assim, a ação educativa presente no blog aparece como entidade virtualizada e fica portanto desterritorializada não podendo ser mais localizada de forma precisa. O cenário expositivo não se prende mais a um espaço físico (o espaço do museu) e passa não haver mais a um relógio e um calendário limitando seu acesso. Assim, entendemos que a virtualização potencializa as condições de acesso aos estoques de informação, ao cenário expositivo, derrubando possíveis barreiras espaço-temporais.

Narrativas de uma exposição: a mineiridade


“Para compreender realmente uma exposição, deve-se pensar
nela como um cenário dramático para objetos e informações.
As cores, os níveis de luz, os estímulos visuais, o som, o drama
da montagem e do design, a beleza e a originalidade dos
objetos específicos – tudo isso tem um papel no
desenvolvimento da metáfora, da tradução, da narrativa
construída, da ficção que é a exposição.”
(Ruffins, 1985)


Qual o cenário dramático pretendido pelo Museu Mineiro? A composição do cenário expositivo leva-nos a um universo de significações que se encontram alinhavadas pela narrativa da mineiridade. A intenção de apresenstar esta dimensão traduz-se na escolha dos objetos, personagens, ambiente, e especilamente na trama. A minieridade aparece como amalgama da narrativa construída.
No blog, o narrador possui uma identidade, enquanto instância produtora do discurso. Trata-se de um mineiro falando para o que se supõem serem outros mineiros. No texto de Autran Dourado apresentado no início do blog do museu, ele refere-se a "nossa eterna" Minas. "A nossa velha hospitalidade mineira à mesa não é um bem imaterial a ser preservado?", é pergunta feita na segunda postagem. Neste e em outros textos das postagens encontramos o leitor incluído no grupo ao qual o protagonista da fala se reconhece, constituíndo o "nós", o "nós" como a categoria "nós, os mineiros". Assim, este narrador modela o universo do discurso, ao atribuir valores, fazer interpretações, eleger atributos e escolher o léxico e as formas de comunicação da idéia de mineiridade. Assim, os enunciados são produzidos e orientados para conduzir o visitante a determinadas conclusões, o sentido único que se pretende é o da mineiridade.